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MAIS DE 84% DOS FEMINICÍDIOS FORAM COMETIDOS POR COMPANHEIROS OU EX-COMPANHEIROS DE VÍTIMAS EM 2024 NO RS

Das 72 mulheres mortas por questões de gênero no Rio Grande do Sul no ano passado, 61 foram assassinadas pelos companheiros ou ex-companheiros. Isso representa 84,7% do total dos feminicídios de 2024. Os dados são do Mapa dos Feminicídios, divulgado pela Polícia Civil nesta terça-feira (21).

O mapa busca traçar o perfil das vítimas e dos autores, além de tentar identificar características dos crimes para a criação de políticas públicas de prevenção, explica a diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher (Dipam) da Polícia Civil, delegada Cristiane Ramos, que comanda a elaboração do mapa. O levantamento é feito anualmente com dados do Observatório de violência doméstica da Secretaria Estadual da Segurança Pública (SSP-RS). 

Os números mostram que a maioria das mulheres foi assassinada dentro da própria casa ou na do agressor, somando 72% das ocorrências em 2024. Ou seja, o lar foi considerado o local mais perigoso para mulheres no ano passado. 

Além de mostrar que em 84,7% dos casos o autor foi o companheiro ou ex-companheiro da vítima, o levantamento aponta também que em 11%, os assassinos tinham algum parentesco com a vítima

Para Rafaela Caporal, coordenadora da Área de Enfrentamento às Violências da ONG Themis, entidade especializada em ampliar o acesso das mulheres à Justiça e aos Direitos Humanos, o patriarcalismo e o machismo presente na sociedade são alguns dos fatores que explicam o motivo pelo qual ambientes que deveriam ser considerados seguros para as mulheres, como a própria casa, são os principais cenários de feminicídios:

— A casa das mulheres é o ambiente menos seguro para elas, porque o feminicídio é a forma mais gravosa da violência doméstica e familiar, que é um fenômeno social multifatorial impulsionado por ideias enraizadas na nossa sociedade. A sociedade educa os homens a se sentirem proprietários das mulheres, donos de seus corpos. 

Rafaela completa que as relações afetivas são embutidas dentro dessa lógica patriarcal e acontece uma normalização de condutas que são letais: 

— A normalização desses micromachismos diários, brincadeiras, xingamentos, vão se intensificando e acabam gerando a normalização da violência dentro das relações, colocando em risco a vida das mulheres — assinala. 

Os meios mais utilizados para causar a morte de mulheres em 2024 foram armas brancas, em 36,1% das ocorrências, e armas de fogo, responsáveis por 33,3% das fatalidades. 

Os casos de feminicídios de 2024 estão distribuídos em 50 municípios gaúchos. Quase 80% dos registros tiveram os inquéritos policiais remetidos ao Poder Judiciário até 31 de dezembro. 

Redução no número, mas manutenção das características

Os números mostram que, entre 2023 e 2024, o Estado registrou uma redução de 15% nos feminicídios

— Em 2023, nós já havíamos tido uma redução em torno de 20% em relação a 2022, e agora em 2024, uma redução de 15%. Foram 72 mulheres vítimas de feminicídio, o menor número dos últimos cinco anos no Estado do Rio Grande do Sul — analisa a delegada Cristiane. 

Apesar da queda, alguns padrões envolvendo esse tipo de crime permanecem similares de um ano para o outro. Em 2024, 87,5% das vítimas não tinham medida protetiva vigente contra o assassino na data do crime — a mais comum é a medida judicial que determina que o agressor se mantenha afastado da mulher. Em 2023, o cenário é semelhante: das 87 vítimas, 82% não tinha medida protetiva vigente contra o agressor na data do crime.

Além disso, janeiro figura novamente como um dos meses com maior incidência de mortes motivadas por questões de gênero no Rio Grande do Sul, com 12 casos. Em 2023, foram nove em janeiro.

Perfil das vítimas e dos agressores

O perfil das partes envolvidas nos crimes também se mantém similar com os de 2023: em geral, são pessoas solteiras, brancas e que estudaram até o Ensino Fundamental

Nos últimos 12 meses, a vítima mais jovem do Estado tinham apenas seis anos, enquanto a mais velha tinha 70. Do total de 72 mulheres mortas, 48 delas tinham filhos, sendo que 24 com o próprio agressor. Mais da metade das vítimas (62,5%) nunca registraram ocorrência contra o agressor na polícia.

Entre os agressores, o levantamento revela que quatro eram adolescentes, dois eram policiais militares e um era policial civil. 

Além disso, 72% dos assassinos foram presos ou apreendidos pela polícia após cometerem o crime. Mais da metade (52,7%) já possuía antecedentes de violência doméstica e 82% deles tinham algum antecedente policial, de forma geral. Uma parcela de pouco mais de 22% cometeu suicídio após matar uma mulher.

Rastro de violência

Além das mulheres, que são diretamente afetadas pelo crime de feminicídio, o estudo mostra que outras pessoas são indiretamente prejudicadas pelo ciclo de violência acarretado por esse crime.

Conforme os dados, cem pessoas perderam as mães em decorrência de feminicídios em 2024. Dentre elas, 54 eram crianças ou adolescentes. 

Com os assassinatos motivados por questões de gênero, 16 pessoas perderam mãe e pai para a violência doméstica, em razão de feminicídio seguido de suicídio. Ou seja, o pai matou a mãe e na sequência se suicidou. 

Os órfãos são principalmente maiores de idade (46%), mas há também crianças de até quatro anos (13%), entre quatro e 12 anos (21%) e adolescentes entre 12 e 18 anos (20%).

Essas crianças e adolescentes são adotadas pelas famílias da vítima ou do agressor ou encaminhadas ao acolhimento institucional, como abrigos e orfanatos.

Romper o ciclo letal

Mesmo com a forte atuação das autoridades policiais, combater o crime de feminicídio é um desafio permanente no Estado, visto que a grande maioria dos casos acontece dentro de quatro paredes, sem a vítima ter realizado algum registro das violências sofridas.

Em razão disso, a diretora da Divisão de Proteção e Atendimento à Mulher da Polícia Civil, Cristiane Ramos, ressalta a importância de a vítima procurar ajuda e registrar junto aos órgãos de segurança e Justiça os episódios de violência:

— Quase 90% das mulheres morrem sem medida protetiva e um número muito grande de mulheres sem nem mesmo ter uma ocorrência policial registrada. Uma leitura a contrario sensu nos demonstra que as medidas protetivas são realmente efetivas e importantes na prevenção e enfrentamento à violência contra a mulher. É importante chamar atenção para esses números para que mais mulheres busquem a proteção dos órgãos da segurança pública e do sistema de Justiça — pondera a delegada.

Para a coordenadora da Área de Enfrentamento às Violências da ONG Themis, Rafaela Caporal, além do fator institucional e de investimentos em políticas públicas de combate à desigualdade e violência de gênero, é preciso que a própria sociedade mude para que os índices de feminicídio continuem diminuindo ano a ano:

— A sociedade precisa se educar a não tolerar questões de violência contra a mulher. Precisa investir em caminhos educativos para tratar o tema, investir no cumprimento da lei Maria da Penha, que não prevê só as medidas protetivas de urgência, mas também a educação sobre violência doméstica e familiar.

Como pedir ajuda

Brigada Militar – 190

  • Se a violência estiver acontecendo, a vítima ou qualquer outra pessoa deve ligar imediatamente para o 190. O atendimento é 24 horas em todo o Estado.

Polícia Civil

  • Se a violência já aconteceu, a vítima deverá ir, preferencialmente à Delegacia da Mulher, onde houver, ou a qualquer Delegacia de Polícia para fazer o boletim de ocorrência e solicitar as medidas protetivas.
  • Em Porto Alegre, há duas Delegacias da Mulher. Uma fica na Rua Professor Freitas e Castro, junto ao Palácio da Polícia, no bairro Azenha. Os telefones são (51) 3288-2173 ou 3288-2327 ou 3288-2172 ou 197 (emergências).
  • A outra fica entre as zonas Leste e Norte, na Rua Tenente Ary Tarrago, 685, no Morro Santana. A repartição conta com uma equipe de sete policiais e funciona de segunda a sexta, das 8h30min ao meio-dia e das 13h30min às 18h.
  • As ocorrências também podem ser registradas em outras delegacias. Há DPs especializadas no Estado. Confira a lista neste link.

Delegacia Online

  • É possível registrar o fato pela Delegacia Online, sem ter que ir até a delegacia, o que também facilita a solicitação de medidas protetivas de urgência.

Central de Atendimento à Mulher 24 Horas – Disque 180

  • Recebe denúncias ou relatos de violência contra a mulher, reclamações sobre os serviços de rede, orienta sobre direitos e acerca dos locais onde a vítima pode receber atendimento. A denúncia será investigada e a vítima receberá atendimento necessário, inclusive medidas protetivas, se for o caso. A denúncia pode ser anônima. A Central funciona diariamente, 24 horas, e pode ser acionada de qualquer lugar do Brasil.

Defensoria Pública – Disque 0800-644-5556

  • Para orientação quanto aos seus direitos e deveres, a vítima poderá procurar a Defensoria Pública, na sua cidade ou, se for o caso, consultar advogado(a).

Centros de Referência de Atendimento à Mulher

  • Espaços de acolhimento/atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência.

Fonte: GZH