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CASO MIRELLA: PADRASTO, MÃE E CONSELHEIRO TUTELAR SÃO CONDENADOS POR TORTURA E OMISSÃO QUE LEVARAM À MORTE DA CRIANÇA

Teve desfecho, na segunda-feira (04), o processo que trata do assassinato de Mirella Dias Franco, três anos, que morreu em 31 de maio de 2022, após ser levada com diversos hematomas a um hospital de Alvorada. Os três réus do caso — a mãe da criança, o padrasto e o conselheiro tutelar do município — foram condenados em decisão do juiz Alexandre Del Gaudio Fonseca, da 3ª Vara Criminal. A investigação indicou que a menina era submetida a agressões frequentes, teve queimaduras e fraturas pelo corpo e era privada de se alimentar e de tomar banho. Ela morreu em razão de uma hemorragia abdominal.

Lilian Dias da Silva, 25 anos, mãe de Mirella, teve pena fixada em 13 anos e quatro meses de prisão em regime fechado. O padrasto, Anderson Borba Carvalho Júnior, 28, foi sentenciado a 28 anos e quatro meses em regime fechado. Eles foram condenados pelo crime de tortura e estão presos desde de junho de 2022.

conselheiro tutelar Leandro da Silva Brandão, 37 anos, foi sentenciado a cinco anos de prisão, em regime semiaberto, pelo crime de tortura por omissão, de acordo com o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS). Além disso, ele também foi condenado por falsidade ideológica — porque teria falsificado documentos públicos sobre o atendimento a menina. A sentença determinou ainda a perda do cargo de conselheiro tutelar e a interdição de seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada, ou seja, por 10 anos. Ele poderá recorrer da decisão em liberdade.

Na sentença, o juiz determinou o aumento das penas da mãe e do padrasto, devido à continuidade dos atos de violência: “Considerando a continuidade (…) quanto aos atos de violência (física e mental), desde o início da união estável com Anderson (quando passaram a conviver junto), aumento a pena pela metade (…), em razão do número de ocorrências (ossos quebrados, hematomas, queimadura, higiene precária, humilhações e omissões que resultaram na morte)”, refistrou o magistrado sobre a pena de Lilian.

Criança era mantida amarrada

Na decisão, o juiz Fonseca afirmou que Lilian “tinha conhecimento das torturas cometidas pelo companheiro e nada fazia, inclusive amarrou a própria filha, o que restou nas lesões nos punhos e mãos”. A mulher também teria se omitido “quanto à brutalidade com a qual o companheiro tratava Mirella, que culminou na morte da filha”.

“Quanto às circunstâncias do delito, acima do tolerável, pois a forma da tortura denota a prática de diversos atos desumanos, a exemplo, manter a filha amarrada, com cordas nos pulsos, devendo, portanto, ser valorado negativamente; consequências do crime são graves, diante das intensas lesões, consistentes em hematomas, lesões, luxações, queimaduras e escabiose (sarna), somado ao óbito da vítima em razão da omissão e tolerância da ré em manter relacionamento com pessoa que agredia sua filha a ponto de matá-la.”

Ao longo da investigação, a Polícia Civil afirmou que testemunhas relataram terem visto Mirella com as mãos amarradas dentro de casa, o que seria de ciência do padrasto e da mãe. A uma dessas pessoas, Lilian teria dito que a criança se mexia muito a noite, e por isso a amarrava.

Recusa em tomar banho frio motivou início dos golpes

Em relação ao padrasto, o magistrado entendeu que ficou comprovado que o homem submetia a menina a tortura “por período prolongado, inflingindo-lhe castigos de forma brutal e imoderada, o que indica o sobejo de culpa nos atos praticados”.

Ainda segundo o processo, as agressões que levaram a menina à morte naquele 31 de maio começaram porque a criança não queria tomar banho frio, já que o chuveiro estava com a resistência queimada.

“Os motivos remontam excessiva crueldade, especificamente porque o motivo da morte foi pela negativa da enteada em tomar banho frio (o chuveiro estava com a resistência queimada); quanto às circunstâncias, acima do tolerável, pois a forma da tortura denota a prática de diversos atos desumanos, a exemplo, dar água fervendo para a menor ingerir (…); consequências do crime são vultuosas, mormente a gravidade das lesões, consistentes em hematomas, luxações e queimaduras, além do sofrimento emocional causado à vítima através de ameaças a castigos imoderados e brutais que efetivamente se concretizavam.”

“Violência inominável”, definiu delegada

Quando a investigação policial foi concluída, em junho do ano passado, a delegada responsável pelo caso, Jeiselaure Rocha de Souza, definiu a violência sofrida por Mirella como “inominável”.

Segundo a policial, as agressões à garota de três anos começaram depois que mãe e padrasto começaram a morar juntos. Na residência, viviam também uma irmã da vítima, de oito anos, e uma filha do homem, de três. A polícia acredita que essas duas crianças não eram vítimas de violência como Mirella.

Conforme Jeiselaure, a violência contra a menina foi constatada por testemunhas, em diversas ocasiões. Ela também foi atendida em hospitais e postos de saúde. A comunicação sobre as agressões, no entanto, não foi repassada à polícia.

— É preciso reconhecer que houve falha em todo o sistema. Essa comunicação das agressões, seja pela equipe médica, por vizinhos, parentes, já deveria ter chegado até a polícia, mas não chegou. Há amigos dessa mãe que viram a menina amarrada. Pessoas que viram ela com olho roxo, machucada. Tinha queimaduras pelo corpo e não foi sequer levada para atendimento médico — afirma a delegada. — A grande pergunta que fazemos é por que não tivemos denúncias. Nós perguntamos a essas pessoas. A maioria disse que, quando questionava o casal, ouvia que os machucados tinham ocorrido em razão de uma queda, porque a menina era ativa, que a irmã empurrou. Talvez essas pessoas tivessem receio de se indispor, não quisessem acreditar que aquilo aconteceu. Há um somatório de omissões — conpleta Jeiselaure.

Contrapontos

A defesa de Anderson Borba Carvalho Junior, realizada pela advogada Árima da Cunha Pires, disse que vai recorrer da decisão.

As defesas de Lilian Dias da Silva e de Leandro da Silva Brandão não retornaram até a publicação desta reportagem.


Fonte: GaúchaZH